sábado, março 17

FUTUROLOGIA ou O ENVIADO DE DEUS

George W. Bush desperta os sentimentos mais extremos nas pessoas. Enquanto alguns têm ele como um mensageiro de Deus e um paladino da justiça e da paz mundial, outros (a grande maioria, não tenho medo de dizer) o vêem como o anticristo, um político sem escrúpulos que envia soldados e mais soldados para morrerem numa guerra baseada em mentiras. De qualquer forma, por ser o homem mais poderoso do mundo, Bush acaba sendo sempre o centro das atenções, principalmente nas manifestações cinematográficas da esquerda cultural. Em dois documentários ainda inéditos no Brasil, o presidente americano é mostrado das duas maneiras citadas acima. Porém, o que dá pra se ver é que as duas produções têm algo em comum.

O aliciamento de crianças para a causa de Deus é o mote principal de Jesus Camp (Heidi Ewing/Rachel Grady, Eua, 2006), produção indicada ao Oscar de Melhor Documentário de 2007. As diretoras acompanharam uma temporada no acampamento de verão Kids On Fire, onde crianças e pré-adolescentes participam de atividades que visam fortalecer a sua fé no cristianismo. Porém, o que se vê é uma celebração de preconceito, fanatismo e maquiavelismo político, numa lavagem cerebral que mete medo em quem assiste. O discurso é intimidador, no sentido de mostrar que o cristianismo é quem tem o monopólio da verdade, enquanto as outras religiões são mentirosas. O resultado disso são crianças exibindo uma fé cega em tudo o que os pregadores lhes dizem, numa demonstração de fundamentalismo digna dos mais fanáticos muçulmanos. Essa é justamente a intenção, como diz a líder do acampamento, Becky Fisher: "Enquanto os islâmicos treinam suas crianças desde a mais tenra idade para inclusive matar em favor da sua causa, nós ficamos aqui estáticos. Minha missão é justamente treinar nossas crianças para defender a causa do cristianismo com o mesmo ardor. Estamos numa guerra, e nós temos a verdade ao nosso lado". Além disso, o filme traz mais depoimentos impressionantes, como o de uma mãe que ensina seu filho em casa porque nas escolas dizem que o criacionismo é errado e o do pastor Ted Haggard, que friamente mostra que existe um plano muito bem traçado para a ocupação de cargos estratégicos da política e do judiciário americano por fundamentalistas cristãos. OK, mas onde Bush entra nessa história? Não é novidade a crença cristã do presidente e o suporte que a comunidade religiosa lhe dá (inclusive o próprio Ted Haggard foi "conselheiro espiritual" do governante americano, antes de se envolver num escândalo homossexual), conforme se vê numa das cenas mais chocantes do filme. Numa das palestras de Fisher, um display com a foto de Bush é colocado no altar enquanto a ministra pede às crianças que orem pelo governante. As crianças então se ajoelham diante da foto e a reverenciam como se o presidente fosse o próprio messias ressuscitado na Terra. Mensageiro de Deus?

Death Of A President (Gabriel Range, Inglaterra, 2006) mostra um exercício de futurologia: em 19 de outubro de 2007, o presidente é morto em um atentado em Chicago. Usando impressionantes efeitos digitais, o diretor mostra, usando uma linguagem de documentário de maneira extremamente realista, os momentos que antecedem o assassinato, o próprio, e as posteriores investigações. Por trás das maravilhas dos efeitos especiais - que fazem o espectador realmente achar que Bush foi assassinado, só vendo pra entender - existe uma série de questionamentos sobre a posição do governo americano em relação à guerra e aos seus veteranos, à discriminação racial e às liberdades individuais. As conseqüências de um possível assassinato de Bush seriam benéficas ao mundo ou as sandices do executivo americano face a esse fato atingiriam patamares inacreditáveis? O filme em nenhum momento se posiciona de forma expressa, mas fica um sentimento de que Bush ainda é melhor (ou menos pior) vivo que morto. De qualquer forma, é um filme indispensável, pelo realismo das cenas, pela maestria do diretor na montagem e nos efeitos especiais e pela análise coerente e madura da possibilidade disso eventualmente acontecer.


A criança fanática e Bush levando a pior em dois filmes sensacionais

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