domingo, fevereiro 6

DEUS É BRASILEIRO?

Há muito tempo eu não saía da sala e vinha direto pra frente do computador para escrever sobre um filme. Mas a gigantesca salada de comédia, ópera, drama, ironia, injustiça social, justiça divina, corrupção, fé, realidade, milagre, céu, inferno, fantasia, Terry Gillian, Charlie Kaufmann, Kubrick, Fellini, Frank Miller, Sergio Naya, Edel, Collor, Bras Cubas - e ainda falta muita coisa pra citar - de Redentor (Cláudio Torres, Brasil, 2004) me fez, assim como o protagonista Célio (Pedro Cardoso), despertar da letargia. Até que enfim um filme brasileiro com excelência técnica, conteúdo e ousadia. Até mesmo Cidade de Deus perde em qualidade, sem nenhum exagero. A estréia do diretor Cláudio Torres dá um novo rumo ao cinema brasileiro ao mostrar um reslismo fantástico raramente visto no cinema mundial e mostra que a família Torres-Montenegro é um manancial de talento (Cláudio é filho de Fernanda Montenegro e Fernando Torres e irmão de Fernanda Torres, com quem ele escreveu o roteiro).

Redentor é mais uma produção da Conspiração Filmes, a maior produtora de comerciais do Brasil e que já tinha feito alguns trabalhos no cinema como O Homem do Ano e Eu, Tu, Eles. Na publicidade eles já são os melhores, mas ainda não tinham acertado a mão no cinema. Mas eis que surge essa história desenvolvida ao longo de seis anos pelos irmãos Torres e Elena Soárez para salvar a pátria. Some-se a isso um elenco estelar para os padrões brasileiros - os pais do diretor, José Wilker, Miguel Falabella, Stenio Garcia, Camila Pitanga, Tony Tornado, Mauro Mendonça, entre outros - uma pós-produção de primeiro mundo e uma trilha sonora maravilhosa e temos um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos. O filme conta a história do jornalista Célio Rocha, um típico representante da classe média, que se reencontra com o amigo de infância Otávio Sabóia (Falabella), que de playboy milionário se torna um herdeiro de uma dívida gigantesca deixada por seu pai suicida (Wilker), um empreiteiro safado que não entregava os imóveis que construía, sendo uma das vítimas de um desses golpes o próprio pai (Fernando Torres) de Célio. Otávio envolve Célio numa tramóia para salvar o que resta da sua fortuna, mas não conta com a loucura repentina - ou intervenção divina - do jornalista, que pretende abdicar de uma gorda vantagem financeira e aproveitar a oportunidade para fazer justiça á todos que foram prejudicados pela família Sabóia ao longo dos anos, tornando-se o redentor do título. Nesse momento, o filme que era até então uma comédia de costumes sobre as mazelas da classe média, as agruras da pobreza e a baixaria da corrupção no Brasil, subverte todos os padrões e perde totalmente o gênero.

Apesar do filme não ter feito muito sucesso nos cinemas - teve um público em torno de 200 mil espectadores - seu lançamento em DVD lhe dá a oportunidade de que seja feita justiça com essa história que, mesmo com todo seu tom fantasioso, nos faz pensar na real existência de um Deus e se esse tal Deus não somos nós mesmos, movidos por uma causa e pelo sentimento de justiça. Afinal, quem trocaria uma fortuna para ser o mártir dos pobres? Talvez só mesmo o redentor...

Pedro Cardoso encarando o Redentor
Se Ele existe, por que não faz nada?

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