domingo, abril 25

SAVE THE BEST FOR LAST

Geralmente eu me orgulho de morar em Porto Alegre, seja pelas pessoas, pelos lugares, pelos eventos culturais. Mas ontem eu fiquei envergonhado de morar aqui. A simples idéia de se fazer o show do Living Colour no Gigantinho já era difícil de aceitar devido à péssima acústica do lugar, mas a imagem do ginásio praticamente vazio em relação à outros shows internacionais foi deprimente. O povo de Porto Alegre é engraçado: sempre que alguma banda internacional vem para o Brasil e não passa por aqui todo mundo fica triste, mas quando uma banda do calibre do LC vem fazer um show na capital gaúcha, apenas meia dúzia de gatos pingados aparece. E isso que o ingresso nem era dos mais caros. Por isso me sinto mais do que na obrigação de falar sobre o show, só para mostrar para os que não foram o que perderam.

O show contou com duas bandas de abertura: Diretoria e TNT. A primeira é um clone cachorro do Rappa e não fez nada mais que irritar a platéia e atrasar mais ainda a atração principal. Já a segunda merece respeito pela participação na história do rock gaúcho e pela altíssima qualidade de seus músicos. O TNT voltou depois de uma grande parada e com a mesma forma de antes. Clássicos como Ana Banana, A Irmã do Dr. Robert e Cachorro Louco levantaram a platéia. Destaque para a dupla de guitarristas Márcio Petracco e Luis "Tchê" Gomes, dois dos melhores em atividade no estado.

Duas horas depois do horário marcado, o Living Colour entra no palco já mostrando a que veio. Para ganhar a platéia logo de cara eles abriram o show com sua versão de Back In Black, clássico do AC/DC que a banda gravou no seu último trabalho, Collidoscope, com o vocalista Corey Glover mostrando que continua sendo um dos melhores - senão o melhor - vocalista do rock. Depois seguiram sucessos da banda como Middle Man, Memories Can't Wait, Cult Of Personality, Type e Elvis Is Dead. Até então era, sem dúvida, o melhor show que eu já vi na minha vida. Mesmo com o som embolado característico do Gigantinho e com os poucos, mas animados, presentes na platéia, a performance do LC era um festival de virtuosismo e feeling jamais visto antes por aqui. Só que aí o show tomou um caminho diferente. Houve a tradicional apresentação de cada um dos integrantes da banda, com cada um deles fazendo um número "solo". O baixista Doug Wimbish mostrou que um contrabaixo emite muito mais sons do que o "tum-tum-tum" característico. Mas mesmo com a originalidade de sua apresentação, o número demorou demais, deixando a platéia entediada. Logo depois, Vernon Reid entrou e cantou uma versão de Seven Nation Army, do White Stripes, que não empolgou. Logo ele, considerado o melhor dos músicos da banda, foi o que fez a apresentação menos virtuosa. E para terminar, o baterista Will Calhoun transformou o Gigantinho numa rave tribal - pena que o público que estava ali era mais pro rock'n'roll do que pro techno. Nisso se passaram mais de quarenta minutos que mais cansaram a platéia do que qualquer outra coisa.

Mas aí Corey Glover voltou ao palco e tudo voltou ao normal. Seguiram-se os sucessos Glamour Boys (com a participação de várias gostosas locais rebolando no palco), Funny Vibe e Open Letter To A Landlord (em mais um show à parte de Glover). A primeira parte do show terminou com a cover do Clash, Should I Stay Or Should I Go, que começou duas vezes devido à um erro de Reid na entrada da música - daí dava pra ver que aquela noite não era uma noite comum mesmo.

Quando a platéia começou a debandar e algumas luzes já estavam sendo acesas e eu quase não acreditando que a banda não iria voltar para o bis, eles invadiram o palco e sem falar nada já saíram detonando Ignorance Is Bliss, música do terceiro disco, Stain - vocês devem imaginar que eu gostei muito dessa música por motivos pessoais, né - e fecharam o show com a cover de Jimi Hendrix, Crosstown Traffic, com o que sobrou da platéia cantando o refrão á plenos pulmões. No fim da apresentação, Glover puxou o grito de guerra da banda, "what's your favorite color, baby". Ao ver que todos responderam "Living Colour" num grito uníssono, Glover se deu conta que ali estava um pequeno, mas fiel e apaixonado, público que merecia bem mais dele.

Aí então começou a acontecer uma coisa que eu nunca tinha visto antes na minha vida. Glover desceu do palco e supreendentemente subiu a arquibancada do Gigantinho. Ninguém acreditava no que estava vendo. O vocalista andava e cantava literalmente do lado das pessoas, que incrédulas ficavam paralisadas ao ver o ídolo tão de perto. Não contente com isso, Glover desceu das arquibancadas e entrou na pista, no meio do povo que o escoltava até o palco numa demontração de carinho e respeito que serve de exemplo para quem diz que o público do rock é mal-educado. Na passada, Glover ainda deu uma parada e APERTOU A MINHA MÃO!!! Não foi um daqueles tapinhas que os ídolos dão nas filas de mãos de fãs, mas sim um aperto como se fosse de um amigo - eu tenho testemunhas, OK? Depois disso, não precisava mais nada. Glover subiu ao palco e simplesmente se despediu, com a consciência limpa do dever mais que cumprido. A platéia ainda demorou para sair do ginásio, ainda embasbacada com o que tinha visto. Dava para ver na cara de todos aquela expressão abobalhada de olhos arregalados e boca aberta que mostra que o show pôde ser resumido em apenas uma palavra: GENIAL.

Pobre de quem não foi...

Living Colour
Meu camarada Corey e sua banda...

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