sexta-feira, maio 14

CHEGOU O INVERNO (ASSIM ESPERO...)

Aproveitando a chegada do ciclone extra-tropical, que trará as baixas temperaturas esperadas por muitos, publicarei um texto GENIAL da mais nova linkada no iGNORANCEiSbLISS, a Bela Figueiredo e seu blog A Falsa Baiana. Olha o que escreve essa mulher...

Invernia

O inverno é um inferno! Tempo de frutificar idéias, hiper safras de produção literária, muitos beijos na boca e mãos na nuca, cineminha e pipoca, gozar de mansinho, exaustos, meigos sob o edredon... As lentes dos óculos embaçadas quando da fumegante taça de café com creme na Rua da Praia. Pessoas se aproximando, perto demais a ponto de perdermos o foco e a razão também. Isso com a desculpa de esquentar o corpo, mas acabamos aferventando os miolos. Pras moçoilas sem cobertor de orelha, é tempo de sublimar o amor, sonhando com bastões de leite e capuccino. E pros rapazes, brioches suculentos...

O inverno é um inferno! Queremos o aconchego, dormir de colherinha, parecer dragões botando fogo pelas ventas. Ganhamos as ruas pra retirar dos outros a caloria. Não temos mais discernimento, nem gosto. Apenas pressa! Nenhum motivo pra sair da frente da lareira, meia de lã e pantufa, mas sai... vai ao Garagem Hermética sofrer de rinite, praguejar o mofo, espirrar setenta vezes. Mas é nesse tempo de frio que buscamos incansavelmente a delícia, o par - sim, porque acredito que fomos feitos para viver em duplas. Dar duas, três, espreguiçar, medo de despertar o parceiro que dorme como um anjo e o que for parecido com angústia, mal desponta, é paz, calmaria... mesmo porque sempre tem um par de coxas bambas, uma mão de unha roída, outra comprida - bem feita, estética, pra tocar uma viola. A esquerda denotando ansiedade e busca. A direita, traz à tona o ser sensível que retira acordes doces pra enfeitar a alma do seu objeto de desejo quase frígido, quieto, ainda adormecido.

É no inverno que buscamos, tontos, os inferninhos. Qualquer moquifo onde se possa derrubar umas gotas de vinho tinto na manta xadrez trazida de Buenos Aires. Ou fumar de luvas, impregnar-se de nicotina e mesmo respirando só pela boca, preenchê-la com outra língua amarga e não perder o fôlego, não cansar. E ficar de braço cruzado parecendo que não tá nem aí, que não quer, que pode consigo, só que no fundo, doida pra abrir os braços, sentir o peito arrepiado acoplado àquela caixa forte, rija, quadrada que só os meninos têm. E depois disso, cantarolar qualquer coisa ou ficar quieta com ar lânguido ou estruturar um poema para então dar as costas à multidão e, mão na mão, ganhar a rua, sentir a rajada de vento; ter nariz de palhaço, assado, escorrendo. Aturgyl, a manga do casaco como lenço e receber um beijinho gelado na bochecha e daí a vontade de voar pra dentro dele, de dar graças porque ele existe e tá ali, pegada a pegada, blusão cheio de bolinhas. E quando a gente vê já tá nessa até o pescoço. Não sente frio, não sai de casa. TV, família, não lê os jornais, esquece a camisinha. Então, hora de ficar em casa, a boca rachada, preguiça de fazer xixi, não precisa escovar os dentes só tomar mais um chazinho. Tu vai ficar boa. E quando tem que sair, mesmo porque a vida não é um intensivo sexta-sábado-domingo, tu põe o pé pra fora da cama, congela e acaba percebendo que 12o, bate queixo e tu tá vestindo apenas a cueca dele. Melhor voltar pro abrigo. Aí, põe a cabeça no peito dele, se curva feito concha e dali cinco minutos tudo está bem. Não há mais perigo, nem frio e tu pensa como as pessoas passam a vida inteira na Bahia sem experimentar esse amor de inverno, vivendo torrados, suados, requebrados e todos os 'ados' a que se têm direito, sem mencionar a música ruim. Eles não sabem o que significa ouvir Ella Fitzgerald debaixo das cobertas, ele do lado, ou em cima, ou embaixo, não importa!, quando tudo arde, é chama, calor, útero, saliva, só um pé de meia porque o outro caiu.